Desinformação, barbárie e a mensagem que podemos colher de Nietzsche

A PERSEGUIÇÃO
DO CONHECIMENTO | Gerrit Dou
Era um dia corriqueiro. Laboratório de Anatomia Animal. Ao lado deste, no improvisado Laboratório de Patologia Animal, as necrópsias acontecem.

Neste dia, um ovino iria ser necropsiado. A causa da morte ainda não estava clara. Contudo, as informações eram de que o animal consumia resto de comida caseira, o que é absolutamente não recomendado a animais estritamente herbívoros.

Este ínfimo exemplo ilustra um problema muito maior e que traz consequências imensuráveis: a desinformação.

A ignorância ocasiona a barbárie, mesmo não intencional. Não podemos classificá-la como maldade. A barbaridade também pode ser filha do não-saber, simplesmente.

O não saber mantém o homem no erro contínuo, julgando este ser a verdade.

É preciso que o conhecimento se dissemine para que o véu da estupidez se esfacele. 

Quando Descartes, no seu Discurso do método, afirmou que o entendimento é o que há de mais bem distribuído entre os homens, ressaltou que nem sempre o é usado de forma igual.

A falta de instrução é um fator que contribui de forma significativa para o não desenvolvimento desta faculdade humana.

Pedindo uma licença interpretativa à filosofia de Nietzsche, filósofo alemão do final do século XIX, podemos perceber o caráter educativo e instrucional assinalado em seu Assim falava Zaratustra, mais especificamente em seu Prólogo.

É claro que a obra nietzscheana versa sobre cultura e filosofia. Porém, a metodologia educativa pode ser ampliada para uma gama maior de casos – como aqui.

Na obra, Zaratustra se recolhe na montanha para que aprimore e eleve seu conhecimento acerca dos homens e, depois, volte à civilização com o propósito de educá-la. A montanha simboliza a elevação do conhecer.

Fazendo um paralelo, nossa montanha pode ser caracterizada pela universidade, local onde o conhecimento técnico é produzido e transmitido. Todavia, se este último se restringir aos emissores e aos receptores – professores e alunos, respectivamente –, sua função civilizatória se esvai.

Faz-se necessário descer da montanha e canalizar aquilo apreendido para aqueles que não usam sua faculdade do entendimento por falta de estímulo, quer seja por desinformação quer seja por falta de formação.

A educação daqueles que se adaptaram tão bem à ignorância não é tarefa fácil e rápida. Assim como os homens riam de Zaratustra, aqueles que estão sob o véu do desconhecimento podem ignorar qualquer tentativa de instrução.

No entanto, nenhuma tentativa é vã. Toda germinação inicia-se com uma semente.

Quanta distância há entre a montanha, a qual eleva o homem ao saber, e a civilização que povoa seus entornos!

O ovino, inocente, foi vítima implacável da barbárie que assola tudo o que é carente de saber. 

Faltam Zaratustras que estejam dispostos a descer da montanha e germinarem a terra árida dos povos ainda incultos.

O perfil educativo e civilizatório da obra de Nietzsche nos faz meditar sobre nossa ação moral quanto ao esclarecimento daqueles distantes do conhecer. Isso ameniza o sofrimento, ilumina os erros e diminui as atrocidades.

Que sejamos capazes de descortinar o erro e, assim, evitar suas consequências nefastas. Que os Zaratustras, elevados pelas montanhas, voltem aos homens comuns.

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