O império biológico no homem

Desenhos de neurônios feitos por Ramon y Cajal,
médico e histologista espanhol
Lidar com o problema humano, enquanto animal consciente, não é tarefa fácil. Isso se confronta, quase sempre, com visões teológicas, filosóficas, supersticiosas, lendárias etc. E mesmo no meio da filosofia da mente, há linhas distintas de pensamento.

Uma oposição comum na abordagem filosófica da mente é entre John Searle e Daniel Dennett, embora os dois pensadores não defendam aquela como algo etéreo, ou seja, puramente metafísico.

Mas estes conflitos tendem a se esvair quando o problema passa a ser abordado de maneira material, ou melhor, cientificamente. Mais do que abordado, passa a ser “mensurado”.

O império biológico referido no título deste texto não se resume ao homem. A biologia impera em qualquer ser vivo. E o homem, é claro, não se furta a esta característica.

Não há como imaginar o ser humano como uma exceção natural ou incorpórea, imbuído de um espírito além-natureza, como produto de um salto evolutivo da “precariedade” biológica para o tudo espiritual.

Nem há bases mensuráveis para defender que todo ser vivo, por mais primitivo que seja, possui um protoespírito – ou um periespírito.

Quando falo em mensuração, quero falar de base material que possa ser medida por métodos e instrumentos científicos disponíveis.

Afirmar que o homem – por possuir conexões neurais mais complexas que geram uma consciência igualmente mais robusta – é um espírito encarnado, é desconhecer e negar a estrutura anatomofisiológica do órgão central do problema: o cérebro.

Ignora-se, para isso, a existência e funções dos córtices frontal e pré-frontal, do sistema límbico (lobo piriforme, hipocampo, hipotálamo, núcleos da base etc.), dos impulsos elétricos, dos vários neurotransmissores, dos neurorreceptores e de outra gama de estruturas e moléculas.

Mesmo aquele comportamento modulado a partir de uma experiência vivida tem tradução fisiológica. Nenhum comportamento ou reação a um fato externo é concebido à parte da neurobiologia.

Por exemplo, uma sensação exterior, uma vez captada pelos neurorreceptores, transforma-se em impulso elétrico nos neurônios, o que desencadeia uma sucessiva cascata sináptica, por meio de moléculas neurotransmissoras.

E é, grosso modo, este desempenho biológico que torna o homem o que é. Difere-se de outros animais não-humanos por uma diferença de grau (complexidade), não de qualidade (outra “natureza”).

A neurociência moderna – na qual temos dois representantes brasileiros de ponta, Miguel Nicolelis e Suzana Herculano-Houzel – comprova a cada dia que o pensamento, de forma geral, pode ser mensurado e traduzido objetivamente. E há um “mundo neurológico” ainda a ser descoberto.

A interface cérebro-máquina é um exemplo de que os impulsos nervosos, imperiosos em toda ação que demande o sistema nervoso como um todo (desde a consciência até a motricidade), são “palpáveis”, ou seja, passíveis de entendê-los biologicamente.

É por essa concepção biológica total do homem – e de que o mundo cognoscível é material – que o filósofo da ciência Mario Bunge defende uma psicologia fisiológica. Isto é, aquilo que hoje se chama de neuropsicologia: uma abordagem psicológica que se baseie na estrutura biológica da mente.

Portanto, qualquer abordagem presunçosamente científica do homem que esteja ao largo de sua biologia tem grande chance de se tornar inútil. Nenhum constituinte humano foge à sua biologia.

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